Oiiii :)
Bem, como havia comentado antes, no final do oitavo mês de gestação Mohamed entrou de férias e nós viajamos pro Egito pra resolver as questões do meu visto. Não haveria tempo pra resolver tudo e voltar antes da Julia nascer, por isso decidimos que ela nasceria lá e só depois voltaríamos aqui pra Arábia.
Gente, eu odiei a ideia de ter que viajar, mas não tinha jeito. Fomos.
Eu vou tentar resumir pra vcs como foi esse tempo lá e um pouco de como me senti voltando pra casa:
-Existem dois Egitos: o Egito dos turistas e o Egito dos egípcios. O Egito dos turistas é o Egito que vemos na tv, nas fotos, nas revistas. O Egito limpo, bem organizado, com tudo impecável, o Egito dos sonhos de muitas pessoas. Esse Egito inclui os locais conhecidos, as praias paradisíacas, os resorts, as construções e templos, enfim, são aqueles lugares pra onde os turistas vão.
O Egito dos egípcios é bem diferente. É o Egito simples, do dia-a-dia, das pessoas comuns que vivem lá. E esse Egito não é muito interessante não! Tem muito lixo e sujeira, os rios são poluídos e muitas vezes com mau cheiro, as pessoas geralmente te recebem bem e são gentis, mas em compensação te olham e te questionam mil coisas o tempo todo. Ai gente, eu confesso que eu não gosto desse Egito. Foi pra esse que eu fui!
-A família do Mohamed vive em uma cidade chamada Kafr El Sheikh, essa cidade fica há mais ou menos três horas de carro do Cairo.
O meu maior medo na hora de viajar foi na questão do meu parto. Meu pré-natal já estava no fim, o problema seria o parto lá no Egito.
Felizmente eu tive sorte pois a irmã do Mohamed (que tb estava grávida) já tinha um médico de confiança que tinha feito as duas cesáreas anteriores dela. Fomos a uma consulta com esse médico e eu gostei, senti confiança e decidi que Julia viria ao mundo pelas mãos dele.
-O meu parto foi muito tranquilo, mas tiveram algumas situações que foram no mínimo inusitadas. Por exemplo, no dia que fomos pro hospital pra Julia nascer, na hora que chegamos lá veio uma enfermeira de niqab nos receber. Ela nos levou até o quarto onde eu ficaria, tudo bem arrumadinho, sala com sofás e cortinas combinando, quarto com tv, geladeira, armário, duas camas, tudo bem aconchegante, banheiro limpo...tudo só pra mim, gostei muito. O problema foi que a enfermeira estava com uma pequena mancha de sangue no jaleco branco. Ohh God! Na hora que eu vi falei pro Mohamed: é hoje que eu morro! kkkk Gente, uma enfermeira com o jaleco sujo de sangue não dá! Na hora eu ate me lembrei daquelas cenas de filmes de terror kkkkk Mas eu logo superei isso, pq a moça foi tão gentil comigo que mesmo que ela estivesse com uma motoserra na mão eu ainda assim não iria me importar. Ela realmente me acolheu como se eu fosse a irmã dela, como ela mesma disse.
Foi tudo tão rápido que parecia que não era eu que estava vivenciando aquilo. Foi tudo tranquilo e eu estava muito tranquila. O médico, o anestesista, o pediatra, a enfermeira, todos muito gentis e atenciosos. Julia nasceu em 24 minutos. Eu nem acreditei. Foi tão rápido quando eu ouvi o chorinho dela que eu até chorei junto. Pós-operatório super tranquilo. Único problema foi que eu fiquei tão bem depois do parto que fiquei eufórica demais. Mohamed, a mãe dele e eu passamos a noite inteira acordados e eu conversei bastante, mesmo sabendo que não podia. Depois eu me lasquei! kkk
Mas enfim, no dia seguinte eu tive alta e fui pra casa. Sim gente, eu também achei muito rápido e meio doido, afinal eu passei por uma cirurgia na noite anterior e na manhã do dia seguinte já recebi alta, mas o médico disse que estava tudo bem comigo e com a Julia e por isso nos liberou. Ótimo! Casa é sempre melhor que hospital. E apesar da minha desconfiança, correu tudo bem e estamos aqui.
-Eu sou tão grata a toda a ajuda que tive da mãe e das duas irmãs do Mohamed, grata também com o carinho de toda a família, mas eu confesso que uma coisa eu achei meio chato: as visitas nos primeiros dias. Sim, porque por mais que eu estivesse bem, eu sentia desconfortos, estava me adaptando a nova rotina, primeiros dias da amamentação são complicados, enfim...no meio de tudo isso tinham as visitas diárias de familiares ou amigos querendo me ver e conhecer a Julia. Se eu estivesse na minha casa, provavelmente não iria receber ninguém (sim, sou dessas!), mas como era casa dos outros, tive que manter a educação e aguentar, não por mim, mas pela família do Mohamed.
A pior parte era o povo querendo beijar a Julia recém-nascida.
-Gente é costume no Egito quando nasce uma criança as pessoas que vão visitar levarem dinheiro pra essa criança. Como Julia recebeu muitas visitas, ela também ganhou bastante dinheiro!
-O Mohamed tem três sobrinhos: Malak tem 5 anos, Ahmed tem 3 anos e o pequeno Mohamed nasceu vinte dias depois da Julia. O Ahmed é um fofo e desde que a Julia nasceu que ele diz que vai casar com ela. Mohamed falava que não e ele respondia assim: `Eu juro que vou casar com ela!` Gente, eu achava muito engraçado o jeitinho dele. Onde via uma foto da Julia beijava kkkkkkk Isso mostra bem como são os costumes. No Egito a coisa mais comum é primo casar com primo e o Ahmed com 3 anos já tem isso forte com ele.
-Ficamos mais de dois meses no Egito. Eu já não aguentava mais! Aff...estava enjoada de tudo, só queria voltar pra casa. Tiramos o passaporte da Julia na Embaixada do Brasil e estávamos aguardando o visto dela da Embaixada da Arábia. Isso demorou um pouco e alongou nossa viagem mais do que eu esperava. No fim das contas Mohamed teve que voltar uma semana antes da gente por causa do trabalho. Eu fiquei aguardando o visto e quando liberaram viajei com a Julia. Estava preocupada em viajar sozinha com ela tão pequena, mas foi tudo tranquilo...
-Humm...na verdade foi mais ou menos tranquilo, pq no aeroporto em Alexandria não encontrei um filho de Deus pra me ajudar. Ohh povo sem coração, credo! Eu com a Julia nos braços, minha bolsa, a malinha dela e nada de ajuda. Nem mesmo nas filas pros procedimentos de segurança, pro check in e pro embarque eu tive prioridade. E também não sou dessas que briga, então fiquei na minha, passando raiva e xingando o povo mentalmente.
-Voltar pra casa foi maravilhoso! Acho que senti que aqui é minha casa, mesmo que temporária...Quando olhei da janelinha do avião e vi as luzes de Riyadh eu fiquei muito feliz por estar de volta.
Fui uma das primeiras a desembarcar e o tratamento que tive aqui foi outro. O aeroporto de Riyadh é bastante movimentado, mas eu não fiquei em nenhuma fila, me colocaram lá na frente, não esperei nem 1 minuto pra passar pela imigração. O rapaz que me atendeu super educado, não fez nenhuma pergunta, nada! Só brincou com a Julia, quando viu que eu era brasileira chamou um amigo que veio falando comigo em espanhol kkk enfim: conversas, brincadeiras, carimbos nos passaportes e Welcome to Saudi Arabia!
-Uma coisa que eu preciso falar: gente, não acreditem em tudo que vcs leem! Se quiserem saber de algo, vá direto a fonte, falem com quem conhece. Não acreditem em qualquer coisa.
Estou falando isso pq lembro bem que antes de vir pra cá, pesquisando sobre a Arábia, eu li em algum lugar que quando uma mulher chega aqui desacompanhada de um homem, ela fica em uma salinha no aeroporto, junto com outras mulheres que também estão desacompanhadas, e todas ficam nesse mesmo lugar aguardando até que um homem apareça para `resgatá-la`. É pra rir, né?! Só pode!
Eu cheguei aqui desacompanhada, com um bebê de menos de dois meses e em nenhum momento me foi questionado o motivo de eu estar aqui, ou onde estava o pai do bebe, ou mesmo se tinha alguém me esperando ou algo assim...nada! E olha que eu estava preocupada com essa parte, pois sei que no Brasil viajar com criança e sem o pai é complicado e precisa de autorização, mas tanto lá no Egito quanto aqui na Arábia ninguém me perguntou nada sobre a Julia ou sobre onde estaria o pai dela.
E também não teve salinha nenhuma! Kkkkkkk
Gente, sou grata a Arábia Saudita e me sinto feliz aqui.
A pior coisa de morar em outro país é a saudade da família e dos amigos, mas isso eu iria sentir aqui ou em qualquer lugar. Se pudesse escolher outro país pra morar seria ótimo, mas por enquanto Arábia é o que é possível! Hahahaha
É uma vida limitada? Sim, em alguns aspectos. Mas a minha vida no Brasil tb era limitada. Enquanto aqui eu preciso usar abaya e não posso dirigir, no Brasil eu tinha medo de sair na rua e ser assassinada ou sofrer qualquer tipo de violência, já que isso é uma coisa que faz parte do dia-a-dia do brasileiro e já virou algo banal... tinha medo de adoecer e precisar de médico e hospital público, já que pra maioria dos brasileiros ganhando um salario de merda não dá pra ter plano de saúde...enfim, eu poderia ficar aqui citando varias situações, mas não precisa... O que eu quero dizer é que a coisa no Brasil tá feia e enquanto eu tiver a chance de morar em outro pais que seja melhor pra mim e pra minha família eu vou me agarrar e respeitar! Porque o duro não é ter direitos restritos na pátria alheia, o duro é não ter direitos na sua própria pátria!
P.S.: Fui convidada pra trabalhar no mesmo Banco onde o meu marido trabalha, mas recusei. A Julia só tem dois meses e nem por todo o dinheiro do mundo eu deixaria ela com uma estranha agora. Quem sabe no futuro. Mohamed me dá todo o apoio, caso eu decida trabalhar. ;)
(Só estou falando isso praqueles que acham que aqui não posso fazer nada e sou oprimida e massacrada apenas por ser mulher!)